(Leia este texto ao som de Falling Slowly)

Houve um tempo em que as coisas não se locomoviam desse jeito. Eu tava preocupado contigo depois de um acidente de carro e quase nem reparei no modo como as coisas caiam ao redor. Ficou com o braço esquerdo esfolado e precisou matar trabalho na manhã seguinte para uma bateria de exames. Mas eu sabia que as coisas voltariam a ficar bem.

Foi poucas as horas daquela noite em que eu consegui dormir. Parecia que faltava alguma coisa do lado esquerdo do peito, dava a impressão de que eu não tava fazendo o suficiente para te salvar das dores do mundo lá fora. Suficiente?

Então você me disse que sentia falta de casa. Não entendi muito na hora, até me dar conta de que lar nunca diz respeito a um lugar físico. É coisa da gente. Perturba um pouco até acostumar, mas depois que acontece não conseguimos nos sentir seguros em outro abrigo.

Precisei mentir no fim de semana seguinte. Tudo para você não querer sair de casa enquanto se recuperava do choque. Me contou que tentou frear na curva, puxou com todas as forças a direção para o lado enquanto tirava o pé do freio para o carro não derrapar, mas não adiantou muito. Como a gente faz para sobreviver ao impacto quando nos tiram da rota?

Lembrei do teu sorriso logo antes de dormir naquele dia. Revi os teus modos de andar devagar enquanto a sensação era de que a existência inteira tinha saído do caminho perto do teu peito. Senti saudade de uma manhã de outubro em que acabei esbarrando contigo na saída da faculdade. Doze graus e um vento chato, mas nem importava assim.

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Você ria. Ria e me pedia para continuar a levar as coisas assim, com um pouco de brilho no olhar. Dizia que o mundo parecia um lugar melhor quando enxergado assim. Até que o tempo passou.

Me preocupei depois, me escabelei noite passada. Ficou marcado em algum canto aqui dentro, como se eu soubesse que um dia voltaria a lembrar de você.

Júlio Hermann