Para quando ele chegar

(Leia este texto ao som de Someone New)

Chegará o dia em que ele baterá na sua porta como quem pede emprestado uma caixa de ferramentas para fazer reparos. Vai te perguntar da vida, sobre como as engrenagens andam batendo dentro do peito, do tanto de noites que você demorou para se recuperar da queda da última vez. Para não deixar que o silêncio tome conta das coisas logo de cara, sabe? Nem vai ser por medo de enfrentar o vazio contigo, mas uma tentativa desesperada de parecer alguém interessante para que você queira ficar.

Ele vai erguer a taça em uma terça-feira no fim da tarde e perguntar o que você acha do Cabernet que comprou para as madrugadas seguintes. Vai contar do dia e de como as coisas foram estressantes no escritório, evitará os assuntos sobre o fim do mês e como a conta bancária costuma clamar por piedade antes de a página do calendário virar – porque a vida já pesa demais em si. Perguntará do seu dia, também, porque será para ele mais importante saber disso que se preparar para qualquer compromisso por vir na manhã seguinte.

O seu nome vai ser o último grito que passará pela garganta dele antes de dormir e você, num reflexo automático, vai questionar onde é que seu coração esteve esse tempo todo. Vai sussurrar baixinho sabendo que não precisa mais para que ele te escute. Vai quase esquecer que existiu uma vida antes de tudo, mas insistirá em manter vivo o que restou e é capaz manter os dois em pé em uma noite de domingo.

Vai passar a amar as segundas-feiras, porque elas terão um quê de poesia que não tinham antes. Se esforçará para aprender a cozinhar alguma coisa que seja agradável ao paladar dos dois, quase não percebendo que os dois já se bastam só de estar ali, no mesmo tempo-espaço. Fará ligações nos horários de almoço, nas madrugadas de sábado, no início da manhã de domingo – porque vai ser difícil segurar a ansiedade.

E o silêncio da tua voz será o segundo som preferido dele, já que dará para ouvir sua respiração com clareza. O primeiro será o teu timbre arranhado dizendo oi logo depois de levantar. Os outros barulhos do mundo não importarão tanto assim.

Importa que chegará o dia e, talvez, ele não apareça pedindo ferramenta alguma para consertar o estrago que desencadeou no próprio peito. Vai ver o coração dele já esteja cicatrizado dos ferimentos e ele apenas pergunte se é você quem precisa de ajuda para se localizar no mundo outra vez – porque, veja bem, ele guardou a bússola que um dia colocou ele nos trilhos outra vez.

E vai deixar à sua disposição para aliviar o peso dos fardos.

Chegará o dia. E você vai perceber quase de imediato que é hora, no exato instante em que os sorrisos ao longo do dia não parecerem ter motivo aparente para existir, mas estarão ali.

Júlio Hermann

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