(Leia este texto ao som de Pontos no papel)
Foi em uma quarta-feira de primavera, logo depois de o sol despencar no lado oposto ao mar. Você disse que em dado momento da vida passou a gostar mais da praia do que eu era capaz de compreender. A areia deixava teu coração diferente, como se nada pesasse dentro do teu peito.
Eu achei bonito.
Nos meses seguintes eu permaneci sentado no pátio de casa esperando o sol sumir outras vezes, tentando sentir a mesma coisa. Eu queria que você tivesse visto o modo como tudo teimava ficar laranja ao meu redor, a ponto de eu quase me colocar a escrever alguma coisa que não fosse doída. Mas, ainda assim doía em mim a maldade que eu enxergava caminhando feito parasita ao lado das pessoas por aí.
A minha conta da farmácia diminuiu consideravelmente naqueles dias, é verdade. Algo no toque da minha pele com o sal das ondas acalmava uma série de tempestades aqui. Gritei isso com o corpo inteiro dentro do mar, para ver se você ouvia, mas nossos olhos estavam longe demais para que você pudesse ver que eu também tinha um pouco de paz aqui.
De alguma forma você me escutava, eu sei.
De alguma forma que minha mente ainda não era capaz de compreender.
O turbilhão que era a minha cabeça começou a ficar um pouco mais leve com o passar do tempo. Eu, que sempre vivi entre os prédios e as rodovias e os shoppings movimentados finalmente havia encontrado alguma coisa bonita fora do foco das luzes. E foi um dos momentos mais bonitos da minha vida quando eu descobri que um céu aceso durante a noite é capaz de acabar o breu total que há em mim.
Rabisquei uns traços com o dedo, enquanto permanecia deitado na areia olhando para cima. De ponto em ponto, para ver se acendia algo novo dentro do peito, até que o estalo aconteceu.
Fiquei alguns dias longe do celular para me desintoxicar do mundo. Passei a erguer mais os olhos para ver o brilho no rosto de quem cruzava por mim. Me permiti ir dormir mais tarde durante quatro noites seguidas, imaginando como o precipício que é o universo seria menos perigoso se todo mundo quisesse viver um pouco assim. Sonhei contigo enquanto te dizia de quatorze maneiras diferentes o quanto o teu jeito fazia meu peito se acender de ponta a ponta sem precisar pronunciar uma palavra.
Passei a te querer bem ali.
Bem mais do que eu era capaz de calcular.
E foi só você falar em felicidade para despertar em mim as estrelas do céu apagado que era meu coração.
Júlio Hermann
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Tudo que acontece aqui dentro – cartas de amor nunca rasgadas
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