(Leia este texto ao som de High Hopes)
A sensação que eu tenho é de que o mundo parou e deixou de ser o que era. Não faz tanto tempo assim, eu sei, mas a impressão que o meu peito tem é de que passou uma vida. É difícil até controlar a mente, que se embola em si mesma para tentar se auto oxigenar. Um dia você me disse que eu sorria com os olhos.
Sorria.
As coisas são mais difíceis do que parecem ser para quem olha de fora. Eu digo isso porque os meus olhos já não enxergam com clareza nem o que se passa na frente do meu rosto. Forço a vista, tento entender os passos que eu dei para chegar até aqui, mas cresce uma sensação de ardência no canto das pálpebras que me fazem fechá-las rapidamente para evitar a dor. Não muda muito.
Eu penso nos meus erros e sinto o peito rasgar em dezenas de pedaços enquanto me arrependo deles. Revejo as fotos dos dias em que tudo ia bem e a consciência lateja de modo brusco para me lembrar que eu poderia ter sido mais. E o mundo inteiro já não parece o mesmo lugar.
Em uma noite de inverno, quando a gente se conheceu, você me disse que gostava de enxergar a vida de um modo diferente das outras pessoas. Eu não demorei muito para encontrar no teu jeito alguma coisa diferente. Demorei uma semana para me entregar de vez, me apaixonei pelo teu sorriso depois de tê-lo visto apenas duas vezes. E permaneci estagnado, sem que você soubesse disso pelo modo com que eu agia, porque não soube demonstrar.
Eu sinto agora o peito implodir de um modo doloroso porque esse mês não era para ter sido assim. O que sobe à cabeça e me devora é o terminal em que eu nunca desembarquei e as panelas dos nossos jantares que não chegaram a ir ao fogo porque a gente não teve tempo de temperar a comida. Os filmes que a gente marcou de ver e precisou deixar para depois. Os lugares que pretendíamos visitar e acabamos não indo.
Teve um dia em que você disse que eu sorria com olhos. Sorria, sim, no exato momento em que percebia os teus lábios se contrariem no mesmo instante que os meus em uma ligação durante a madruga.
Escuto os áudios antigos, canto para mim mesmo antes de dormir. Fecho os olhos com uma força absurda enquanto tento voltar no tempo e finjo tentar diminuir a dor. Faço mentalmente as viagens que provavelmente já não vamos fazer. Não tem como diminuir a agonia doída dentro do peito.
Obrigado por ter sido você.
Sempre vai ser.
Quanto a mim, eu permaneço aqui.
Sempre permanecerei.
Júlio Hermann
_
*Meu primeiro livro já está à venda em todo o Brasil. Se você gostou desse texto, tem grandes chances de se identificar com ele.
Tudo que acontece aqui dentro – cartas de amor nunca rasgadas
“Você lê aquilo que sempre quis dizer a alguém – ou a si mesmo -, mas que nunca teve coragem de tirar de dentro de si.” – Daniel Bovolento, autor de Por onde andam as pessoas interessantes? e Depois do fim.
_
Para comprar:
Saraiva (com 25% de desconto)
Amazon
Livraria Cultura
Livraria da Folha
Martins Fontes
Fnac
Livraria da Travessa
Lojas Americanas