Me queira bem

(Leia este texto ao som de A lua que eu te dei)

Diz alguma coisa que te embrulha o estômago.
Morangos.
Morangos?
É, minha mãe comeu demais na gestação.
Não consigo imaginar uma vida sem.
Mas você, fica desse jeito pelo quê?
Altura.
Não parece pela maneira que olha as luzes aí da varanda, parece mesmo é que sente prazer em enxergar tudo do alto.
Gosto das luzes.
A ponto de esquecer do medo?
O suficiente pra te chamar para assisti-las comigo.

Me chamou para observar o trânsito caótico lá embaixo mesmo que quase fosse madrugada. Disse que sentia que o mundo era grande demais e que percebia ser nada quando enxergava o mundo desta perspectiva, mas era bom. Fazia bem perceber a infinidade de coisas do lado de fora porque tirava um peso enorme das costas, dizia. É assim desde que o mundo é mundo e ela é ela.

Sinto isso também.
O estômago embrulhar quando olha pra baixo e percebe que nada te segura aqui em cima?
Não, boba, prazer em ver as luzes se movendo no outro ponto do penhasco.
Parece tudo tão perto e tudo tão longe, não parece?
Parece mesmo é que eu vou cair a qualquer momento, mas gosto da adrenalina.
Tento não pensar muito nisso para não correr o risco de nunca mais terminar o dia aqui.
Parecem teus olhos lá, não parecem?

Me arrependi demais quando terminei de perguntar. Queria entender de onde vinha tanta coragem que valesse o risco de jogar ao vento tudo aquilo o que jurava que vinha construindo. Fechei os olhos para tentar fugir da resposta – já que no súbito hábito de piscar juramos que vamos acordar de sei lá o quê que estamos vivendo -, mas só consegui ouvir um riso acoado no fundo.

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Não sei se parecem, mas fico sem jeito quando você fala isso.
Parecem sim, a não ser que o vinho tenha pego um pouco antes da hora aqui.
Não acho que duas taças sejam suficientes para moldar uma coisa dessas, mas nunca senti os pelos dos braços arrepiarem por me falarem algo assim.
Vai ver seja o vento.
Vai ver eu tenha gostado do que ouvi.

Senti coragem de abrir os olhos quando ouvi a última frase, por mais que sentisse medo de acordar. Era a primeira vez que eu havia dito coisa dessas para alguém. Nunca havia misturado vinho com outra saliva antes também. Não tinha sentido uma vontade tão grande de me atirar em um precipício, mesmo que não tivesse medo de altura. Mesmo que os olhos dela não fossem tão grandes assim.

Júlio Hermann

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