Não morra engasgado

(Leia este texto ao som de Whataya Want From Me)

Sabe uma coisa que deve doer pra caralho? Morrer engasgado. E quando digo morrer engasgado, não é morrer com alguma coisa que te fecha a garganta, prende a respiração e faz tossir, mas com algo que ficou entalado e martela feito britadeira um pouco mais embaixo, do lado esquerdo do peito. Morrer, nesses casos, é ver alguém partir.

Aprendi com Bovolento – e com a vida – que quando a gente não diz o que sente, o outro vai embora sem saber que talvez tivesse um motivo pra ficar. Aprendi depois de ver um bando de gente passar por mim enquanto eu permanecia na inércia – e sempre vemos na inércia um ponto de conforto que a achamos que nunca passa, mas passa. Aprendi depois de passar para um monte de gente também.

A verdade é que nenhum de nós tem bola de cristal –nunca sabemos o que o outro sente até dizer -, e demonstrar interesse em tempos como esse é sentença de morte, é suicídio sentimental e autossabotagem. Mas tem um monte de coisa errada, gente. Autossabotagem é morrer engasgado e ver a pessoa partir com um livro entalado na garganta pronto para sair e que permaneceu por medo de ser dito. É ver o alguém partir e ter que conviver com um nó embrenhando na garganta e criando raiz um pouco mais embaixo.

Não tem remédio pra isso.

Não tem Rivotril que dê jeito.

O problema nisso tudo é que se remamos contra a maré, vomitando as coisas todas pra não morrer engasgado, somos tachados de atirados. Mas qual o problema em dizer pro outro o que a gente sente? Qual o problema em cair de cabeça em águas profundas e convidar o outro pra navegar junto? Já passou pela cabeça de vocês que o outro pode estar de remo na mão esperando um convite pra encarar as ondas com você? A verdade disso tudo é que esse é um problema universal. Todos nós passamos por isso porque todo mundo já sofreu por medo de rejeição.

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Todo dia um bando de gente tem passado porque não tinha um motivo pra ficar – ou tinha, e não viu. Todo dia um bando de gente fica sozinha na orla, porque não vomitou o que sentia por medo de se atirar no mar, por medo de dar de cara com uma onda que o engula e leve o remo embora. Todo dia um bando de gente morre engasgado – e não deve haver nada pior do que morrer engasgado. Deixar alguma coisa entalada na garganta nos faz acordar todos os dias com o pensamento em uma coisa que poderia ter sido e não foi.

Se eu pudesse deixar um conselho: se atira, gente. Se atira, que é melhor encarar um naufrágio do que o espelho toda manhã, convivendo com o que não é e poderia ter sido, mas não tentamos para saber. Se atira, que lá embaixo, nas profundezas, o mar é mais bonito. Se atira que encarar as ondas é bem melhor do que permanecer assistindo tudo da orla e vendo o barco ir embora. Se atira, que morrer engasgado deve doer pra caralho, e do outro lado pode ter alguém com o remo na mão te esperando pra navegar.

Júlio Hermann

(Este texto foi originalmente publicado por mim no boteco)

5 comentários sobre “Não morra engasgado

  1. Débora Gabrielle disse:

    obrigada Julio, de verdade. passei metade da vida me culpando por sentir e falar agora vejo que me sentiria infinitamente pior se não tivesse falado. obrigada, ótimo texto, mudou me dia.

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